Beja, a capital do visigodo
A cerca de 180 quilómetros de Lisboa, 450 do Porto e 150 de Faro, a cidade alentejana passa despercebida para a maioria dos portugueses. Um erro dado que a história da cidade é anterior à época romana. Há muito para descobrir naquela que é a capital do Baixo Alentejo.
BEM NO centro do Baixo Alentejo fica uma cidade esquecida por muitos. No meio da planície sobre o sol escaldante do Verão fomos conhecer uma cidade com História e com muitas histórias para contar. O desafio estava lançado.
Ponto de partida: Lisboa. Destino: Beja. Tempo de viagem: duas horas. Uma vez em Beja o primeiro ponto de paragem obrigatório é o Castelo da cidade. Não só pela vista mas também pelo posto de turismo, localizado no seu interior. Lá pode encontrar toda a informação necessária para um fim-desemana de descanso e descobrimento.
Para conhecer Beja há que recuar no tempo. Recuar até à época pré-romana. Está provado que os terrenos férteis da planície atraíram os povos muito antes de os romanos descobrirem a região. A sua posição estratégica e a riqueza do solo tornaram-na num dos principais
postos romanos. A Pax Julia. Só com a ocupação árabe, no século VIII, é que a cidade ganhou a sua designação actual. A cidade foi reconquistada pelos cristãos no século XIII, tendo a torre de menagem (considerada como um dos mais importantes exemplos da arquitectura medieval do país) concluída no reinado do rei D. Dinis, em 1310.
Para começar o passeio nada melhor do que subir à torre e ter uma visão geral e sem obstáculos da cidade de Beja e da planície alentejana. De lá pode observar a Igreja de Santiago, a Sé, e a igreja de Santo Amaro onde se encontra o núcleo visigótico do Museu Regional Rainha D. Leonor.
Qualquer visita a Beja tem, obrigatoriamente, de incluir uma ida ao Museu Regional Rainha D. Leonor, instalado no Convento de Nossa Sra.
da Conceição. Mandado construir, no século XV, pelos Duques de Beja – D. Fernando e D. Beatriz, adoptou um estilo medieval gótico, que faz parte da Beja, a capital do visigodo PORTUGAL trilogia proto-manuelina conhecida, juntamente com o Convento de Jesus, em Setúbal e o Convento de S. Francisco, em Serpa. Sendo que o de Beja é mais antigo (1459).
Intimamente ligada à história do Convento está a de Madre Mariana Alcoforado, que tinha apenas 11 anos quando, em 1660, ingressou na instituição. O seu nome saltou para a ribalta quando, em 1810, o erudito Boissonade, publicou uma nora no jornal L’Empire, associando a Madre como sendo a autora das célebres “Lettres Portuguaises” – cinco cartas de amor dedicadas ao cavaleiro francês Noel Bouton, Marquês de Chamilly. A janela gradeada por onde Mariana olhava o seu amor ainda hoje existe. Conhecida como a Janela de Mértola, das Portas de Mértola ou de Mariana, é actualmente um ex-libris do convento e uma paragem para todos os que conhecem a história.
Continuando na senda da descoberta, e porque está mesmo ali ao lado, não deixe de dar um “olhinho” ao Núcleo Museológico Rua do Sembrano, onde poderá encontrar os vestígios de antigas civilizações, descobertas aquando de escavações.
“Há mais do que História na capital do Baixo Alentejo. A doçaria, os enchidos, os vinhos e a gastronomia são algo a não perder numa visita a Beja.”
O passeio continua pelo centro histórico, onde encontrará monumentos tão importantes para a história da cidade (e do país) como a Igreja da Misericórdia (construída no século XVI é hoje monumento nacional e um exemplo da arquitectura renascentista, tendo
sido inspirada pela Loggia de Florença), o Convento de São Francisco (destaque para a Capela, os Túmulos, a Cisterna e as pinturas da Sala do Capítulo e o Coro Alto) e a Igreja de Santa Maria (uma das mais antigas da cidade, é considerada um dos melhores exemplos do gótico
alentejano). Pelo meio não deixe de prestar atenção a aspectos tão singulares como os ainda existentes vestígios da ocupação romana e as particularidades das decorações das janelas. É o caso do arco romano anexado ao castelo, da janela manuelina da Rua Afonso Costa ou da setecentista, em madeira, localizada na Rua do Ulmo.
Obrigatória é a visita à igreja de Nossa Senhora dos Prazeres. A capela, datada de 1672, tem um dos mais importantes acervos de arte sacra da cidade e um conjunto de azulejos, composto por painéis historiados de 1698 da autoria do pintor Gabriel del Barco.
Com o decorrer do dia há que fazer algumas paragens e degustar algumas gastronomias locais. O primeiro local de paragem obrigatória é o café centenário da cidade – Luiz da Rocha, fundado em 1893. Lá poderá encontrar não só a típica gastronomia alentejana, mas também a doçaria regional. Não deixe de experimentar as trouxas do Real Convento de Nossa Senhora da Conceição ou o porquinho em doce, este exclusivo do estabelecimento. Se preferir apenas fazer uma refeição leve opte pelas queijadas de requeijão ou as empadas de galinha. Se prefere algo mais requintado pode sempre obter por um dos restaurantes típicos: Pipa ou Adega 25 de Abril, onde pode degustar migas de coentros com presa ibérica, uma sopa de cação, carne no alguidar, ensopado de borrego ou mesmo uma açorda de alho.
Com o estômago aconchegado há que aproveitar uma das mais belas tradições alentejanas: a paragem pós-almoço. Ou a chamada sesta. Relaxe e descanse no Jardim Público. Depois aproveite para conhecer o comércio e o artesanato local.
No centro histórico poderá deliciar-se com a montra do Mestre Cacau. A variedade é extensa. Milho com chocolate negro, bombons de medronho, rebuçados de canela e alecrim…. Tudo tendo por base o chocolate. Caseiro. Mas se as suas preferências vão mais para os produtos típicos… diga-se enchidos, queijos… então quererá fazer uma visita à loja “Sabores do Alentejo”. Se gosta de doces o conselho é o de que visite o café Maltesinhos, que deve o seu nome ao doce conventual que fornece. Trata-se de uma queijada conventual de Estremoz, trazida pelas freiras maltesas. Mas prepare-se para uma grande difi culdade. A de escolher o que comer.
Durante o passeio pela cidade aproveite e vá até à Praça da República. Lá poderá encontrar edifícios com arcadas manuelinas, de onde, antes, as senhoras assistiam aos espectáculos e às execuções. Sim, porque é lá também que está localizado o pelourinho, mandado construir por D. Manuel, em 1521.
Chegada a noite é tempo de descansar. Pode optar por pernoitar na Pousada de São Francisco (antigo convento franciscano, do século XII, situado no centro da cidade de Beja e pertencente à rede Pousadas de Portugal) ou escolher algo mais remoto e calmo. Nesse caso a sugestão vai para o hotel Vila Galé Clube de Campo. Independentemente da escolha não deixe de ir beber um café e escutar boa música na Galeria do Desassossego(*), pertença do vocalista dos Virgem Suta.
Artigo publicado no suplementos de viagens do Oje, a 26 de Outubro de 2012.
(*) Entretanto a Galeria do Desassossego encerrou.