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Portalegre, entre história e poesia

Tem mais de 800 anos de história mas só atingiu o apogeu no século XVIII. Marquês de Pombal, José Régio, Guy Fino e George Robinson são algumas das figuras que moldaram a cidade.

Vista panorâmica da cidade
Vista panorâmica da cidade

BEM NO seio da serra alentejana, quase quase na fronteira com Espanha, fica a cidade de Portalegre. A capital de distrito fica a uma distância simpática do Porto (380 quilómetros), a 230 de Lisboa e a apenas 105 da vizinha Évora.

As origens remontam à Idade Média, havendo documentos que que demonstram que em 1229 Portalegre era vila do concelho de Marvão e que em 1253 já era sede do concelho. Mas foi no século XVIII, com a industrialização que se deu o seu apogeu. Primeiro com o Marquês de Pombal que, em 1772, fundou a Real Fábrica de Lanifícios de Portalegre, instalada no antigo Colégio de S. Sebastião e cujo edifício actualmente alberga o posto de turismo, uma galeria de arte e um centro de congressos. Já no século XIX o industrial britânico George Robinson instala-se na cidade e cria a Fábrica Robison, de cortiça, que chegou a empregar mais de duas mil pessoas. A última grande fábrica estabelecida em Portalegre surgiu em 1947. Sendo que a Manufactura de Tapeçarias ainda existe.

Para melhor organizar a visita à cidade nada como fazer uma primeira paragem no posto de turismo para obter todas as informações. Sendo que, mesmo ao lado fica a Galeria de S. Sebastião, com exposições permanentes e temporárias que vale a pena visitar. Até ao dia 30 de Novembro por exemplo, está patente a exposição “Quadros líquidos”, de João A. Rebelo.

Em Portalegre há três elementos imperdíveis: a arte sacra, a tapeçaria e a poesia. Pelo que o primeiro ponto de paragem deverá ser o Espaço Robinson. O antigo Convento de S. Francisco foi adquirido pelo britânico, inicialmente convertido numa fábrica de cortiça e aguarda, actualmente o aval da Fundação para concluir o projecto de recuperação. A igreja do convento, já restaurada, alberga a colecção Sequeira, com um acervo de mais de sete mil Cristos.

Concluída a visita desça a rua e entre no mundo do poeta José Régio. Visite a casa que este escritor habituou nos 33 anos que morou em Portalegre e perceba um pouco do seu espírito e a sua obsessão pelo coleccionismo. Há um pouco de tudo. Arte sacra, Cristos, arcas, esculturas, faianças, almofarizes, estanhos… são mais de 1500 peças expostas de um acervo de mais de oito mil unidades, obras literárias incluídas. Durante a visita, em que a guia revive o quotidiano do poeta, poderá ver peças raras, como uma colcha feita de pedaços de gravata às salas de leitura e de trabalho, que permanecem inalteradas.

Caminhando pela rua atravesse a Praça da República, onde ainda pode ver as arcadas do antigo mercado, passe pela Porta de Alegrete e dirija-se até ao Castelo. Mandado construir, em 1290, por D. Dinis, abriga hoje um centro interpretativo e abriga diversas exposições temporárias.

“Marquês de Pombal, José Régio, Guy Fino e George Robinson são as principais figuras da história de Portalegre.”

Com o dia a meio é altura de fazer uma pausa para almoçar. A sugestão passa pela típica gastronomia alentejana. Ovos com farinheira e ervas aromáticas, sopa de tomate com ovos escalfados e feijoada de lebre com repolho. Tudo a preceito no Sal, Alho e Etc (Rua Pio XII, 7). O senhor Felício Florentino já anda nestas andanças há mais de 40 anos e é ele que garante a boa comida. Em alternativa pode optar por migas, a especialidade de porco preto ou as tibornas.

Com o estômago aconchegado é altura de continuar a visita e seguir para a Catedral de Portalegre. Mandada construir pelo primeiro bispo da cidade, em pleno século XVI, possui aquele que é considerado o maior conjunto de pinturas maneiristas do país. A construção demorou três séculos e foi erigida em cima de uma antiga capela medieval. Os vários altares existentes foram encomendados pelas várias confrarias da cidade. Na decoração há a destacar os azulejos do século XVII, a balaustrada do século XVIII em mármore de Estremoz e o altar barroco do século XVIII.

A poucos metros da Catedral fica o Museu Municipal que também merece uma visita. No seu interior estão reunidos o espólio recolhido nos conventos e igrejas da cidade. Organizados por tipo de artefacto mostra a importância e evolução da cidade. É o caso dos pratos ratinhos (ou troca pratos). Trata-se de pratos de barro trazidos pelos beirões, que eram depois trocados por tecidos. Pode também encontrar peças de mobiliário, muitas delas cedidas por famílias nobres da cidade, leques, caixas de rapé e toda uma colecção de arte sacra, vinda principalmente dos Conventos de Santa Clara e de São Bernardo.

Enquanto se dirige para o Museu da Tapeçaria de Portalegre – Guy Fino passe pela Antiga Porta do Crato e observe o Palácio Amarelo. A antiga casa senhorial é hoje uma propriedade particular mas ainda estão visíveis, nas duas esquinas do edifício, os dois brasões.

A tapeçaria ainda é um negócio importante na economia local. Aliás, é a única manufactura ainda activa. O espaço, localizado no antigo Solar Caldeira Castelo-Branco, mostra o início da actividade, todo o trabalho que está por detrás e vários exemplares de tapeçarias já feitas. Conta a história que Guy Fino, por diversas vezes, convidou o pintor e mestre tapeceiro francês, Jean Lurçat a desenhar para a Manufactura de Tapeçarias de Portalegre. Sem sucesso. Até que um dia o francês veio a Portugal e ofereceu-lhe uma tapeçaria com o desenho de um galo. Guy Fino pediu autorização para a reproduzir. Quando o pintor voltou a Portugal foi-lhe apresentado duas tapeçarias e pedido que indicasse qual a de origem francesa. Resultou que a apontada e tida como “mais perfeita” era na verdade a portuguesa. A diferença estava no ponto. Ao contrário da técnica francesa que cria a tapeçaria na horizontal, a de Portalegre fá-lo na vertical. Hoje inúmeros artistas desenham para a Manufactura, incluindo Joana Vasconcelos, que recentemente expôs no Palácio de Versailles.

Com a noite a chegar nada melhor do que terminar o dia com uma bela refeição. Naquele que é o restaurante emblemático de Portalegre: o Tomba Lobos(*). Pelas mãos do chef José Júlio Vintém surgiram pratos como a Açorda de Bacalhau no Forno, Perdiz de escabeche, Pudim de lebre, Queijo de cabra assado no forno com orégãos e alho ou Canja de perdiz brava com castanhas e favinhas. Termine a noite no Rossio Hotel. Uma unidade de conceito que abriu em Junho deste ano.

Artigo publicado no suplemento de viagens do Oje, a 16 de Novembro de 2012.

(*) Entretanto o restaurante encerrou.

Alexandra Costa

Jornalista desde 1996. Adoro viajar, conhecer novas culturas, experimentar gastronomias. Sou viciada em livros e nunca digo que não a uma boa conversa e amo a minha Luna. Defendo que mais vale poucos (e muito bons) amigos do que milhentos conhecidos. E prefiro ver o “copo meio cheio” em detrimento do “copo meio vazio”.

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