Terça-feira, Abril 16, 2024
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Vindimar na Casa da Ínsua

Vêm de todo o lado. Espanha, Brasil, Portugal… há clientes de todas nacionalidades. Uns pela primeira vez e outros repetentes. O objectivo é o mesmo. Vindimar . E conhecer o processo de produção do vinho do Dão.

Uma vez por ano a Casa da Ínsua (Penalva do Castelo, a 25 quilómetros de Viseu) abre as suas portas a um programa muito especial. As vindimas. Em que os clientes conhecem em primeira mão o que é vindimar. O LusoTurismo esteve presente, falou com os responsáveis, com alguns dos clientes e experimentou em primeira mão.

A manhã começa cedo, com um bom pequeno-almoço. Afinal há que ganhar forças para o esforço físico que se segue. E na mesa está tudo de bom. Compotas caseiras, diversos tipos de pão e queijo feito na Casa da Ínsua, acompanhados por sumos naturais e alguns bolos.

José Matias, responsável pela produção agrícola da Casa da Ínsua demonstra como se deve podar as uvas
José Matias, responsável pela produção agrícola da Casa da Ínsua demonstra como se deve podar as uvas

Com o estomago composto é altura de começar a trabalhar. Com todos reunidos na recepção do hotel, devidamente trajados com uma t-shirt alusiva à Casa da Ínsua e um chapéu de palha para proteger a cabeça (e o rosto) do sol, José Matias, responsável pela produção agrícola e gestor da unidade, começa as explicações.Num breve discurso ficamos a saber um pouco da história da quinta (nomeadamente que Luís Albuquerque, quando construiu a casa, em 1780 fez questão de plantar castas francesas e que a Casa da Ínsua é o único produtor a poder utilizar castas não originárias do Dão – a região foi constituída em 1908), assim como uma breve explicação de como vai ser o programa.

O processo é simples. A cada pessoa é dada uma tesoura e explicado que só se deitam para o chão os cachos que têm mais de 50% de bolor. O objectivo é encher as várias caixas (de 25 quilos) que estão dispostas a intervalos regulares, sendo que serão despejadas por funcionários da Casa da Ínsua.

Convém referir que o programa é feito na vinha mais perto do hotel, o que permite a deslocação dos clientes a pé. E não se pense que é uma vinha qualquer. Da casta Touriga Nacional tem sido, como refere José Matias, considerada a melhor vinha do Dão.

Pouco depois das 10:30 da manhã o trabalho começa. E há que avançar rápido (por norma a jornada começa às oito da manhã). Por cada fila de videira estão duas pessoas a fazer a vindima. Inclusive a jornalista do LusoTurismo. Que rapidamente chega à conclusão de que este é um trabalho bem mais duro que pensava. Vindimar está fora de questão para quem tem problemas de coluna.

Para cortar os cachos as pessoas estão debruçadas e ao fim de um tempo a coluna começa a sofrer. Outra alternativa é estar agauchado. Mas aí as vítimas são os joelhos. Ou seja, é preciso estar em boa forma física para aguentar (pelo menos) uma jornada de vindimas e não ter qualquer tipo de mazelas.

Numa vindima dita normal o dia de trabalho começa mais cedo, quase ao raiar do dia. A velocidade é maior e normalmente há cantares tradicionais, que animam e motivam os trabalhadores. No entanto o vindimar parece ser como que uma profissão em extinção. Como referiu José Matias os trabalhadores que aguentam os dias da vindima são idosos, já com alguma idade (normalmente mais de 50 anos). Isto não significa que não “apareçam” pessoas novas a querer ganhar dinheiro. Jovens estudantes, adultos à procura de um complemento… a questão é que poucos aguentam o esforço físico do trabalho. Mesmo porque em certos produtores, como a Casa da Ínsua, este é feito à mão.

Após a poda das uvas faz-se a prova dos vinhos da Casa da Ínsua.

Mas voltemos ao vindimar. Depois de cerca 90 minutos de apanha de uva é tempo para uma “bucha”. Repor as energias e descasar um pouco. E para tal nada como comer uma sandes e degustar a maçã da região: a Bravo de Esmolfe. Se fosse funcionária da Casa da Ínsua no fim do lanche retomaria a vindima. Como não é o caso segui, mais os outros clientes, para uma prova de vinhos. Devidamente acompanhada de produtos tradicionais e feitos na unidade. É o caso das compotas caseiras e dos vários queijos.

À nossa disposição temos dois vinhos: o branco Casa da Ínsua 2012 e o tinto Casa da Ínsua 2009. Neste uma novidade. A utilização da casta Alfrocheiro foi, segundo José Matias, um risco. Mas que deu os seus frutos.

A prova serve de introdução e aperitivo ao almoço. Ao ar livre, para aproveitar os últimos dias de calor, a refeição começa com os enchidos da região, seguida de um belo caldo verde, um prato de peixe e terminando com a prata da casa. Maça (Bravo de Esmolfe, claro está) assada, com recheio de arroz doce e gelado. Tudo devidamente acompanhado com os vinhos provados anteriormente.

E depois de uma soberba refeição, regado com bom vinho, o desejo é o de respeitar a tradição alentejana da sesta. Mas nada feito. Com as uvas apanhadas e já transportadas para o lagar chegou a vez de fazer o pisa. À moda antiga. Descalços, com as calças arregaçadas ou de calções, é altura de pularmos para o lagar e começar a pisar as uvas. Transformar os bagos em sumo.

Não pensem que é algo fácil. Exige esforço físico e coordenação com as outras pessoas (se for feito “à séria”). Aos turistas que compram o programa de vindimas não é exigido o profissionalismo habitual. Embora de início houvesse uma corrente com pisa simultânea rapidamente se desfez e foi cada um por seu lado. E as crianças foram as que mais se divertiram.

Com a barriga aconchegada por um almoço farto é altura de continuar o trabalho. Segue-se o pisa das uvas, feito à moda antiga.

Ao fim de uma hora começaram a surgir os primeiros desistentes. Que aquilo é mais duro que as pessoas pensam. Os persistentes continuaram e, com o tempo, notaram que a pele adquiriu um tom avermelhado. Com o cansaço à porta e com boa parte da uva pisada é tempo de passar à fase seguinte. Visitar a adega e perceber como o vinho é feito. Como é feita a separação das uvas, o seu esmagamento… é a fase final do programa das vindimas.

Mas o dia não termina sem uma breve visita às instalações e à loja da Casa da Ínsua, onde se pode comprar os produtos feitos na quinta: vinhos, compotas, queijos…

Vindimar é mais duro do que muitas pessoas pensam. Implicar começar logo de manhã cedo, muito esforço físico (quer ao podar ou ao pisar) mas também tem as suas recompensas. Há uma grande camaradagem entre quem trabalha, fazem-se amigos (há vários clientes da Casa da Ínsua que não só repetem o programa como comunicam com quem esteve com eles) e descobre-se um mundo novo.

Por ano a Casa da Ínsua só faz o programa das vindimas uma única vez. Por isso se ficou tentado não desanime. Para o ano há mais. Pode obter mais informações ou reservar através do sitehttp://www.casadainsua.pt/.

Artigo originalmente publicado no LusoNotícias.

 

Alexandra Costa

Jornalista desde 1996. Adoro viajar, conhecer novas culturas, experimentar gastronomias. Sou viciada em livros e nunca digo que não a uma boa conversa e amo a minha Luna. Defendo que mais vale poucos (e muito bons) amigos do que milhentos conhecidos. E prefiro ver o “copo meio cheio” em detrimento do “copo meio vazio”.

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